segunda-feira, 7 de julho de 2008

A subjetividade do raro

Outro dia uma senhora adquiriu uma obra conosco. Com tantos sebos em cada esquina, com suas respectivas "filiais" virtuais, ela veio comprar aqui. Também pudera, ninguém na internet, e provavelmente fora dela, tinha o livro para venda. A pessoa pagou, recebeu e mandou um comentário onde dizia já ter lido, gostado, mas que o preço era caro para um livro velho, porém ela mesma afirmava que a obra que recebeu estava em muito bom estado de conservação para um exemplar com mais de sessenta anos.

A lei que regula o preço de uma obra antiga e esgotada segue os princípios que regem o capitalismo. Oferta e procura é um deles, e isso norteia também o mercado de arte em geral. O mesmo que faz um Dalí, um Picasso, um Van Gogh, um Gauguin estarem no primeiro time, e outros tantos sentados no banco de reserva, também leva um Machado de Assis, um Gonçalves Dias, uma Clarice Lispector a serem mais procurados que um Cantu, um Humberto de Campos, um Cronin.

O que é raro para um comerciante, para um mercado específico, para um bibliófilo, pode não ser mais do que um livro "velho" para a maioria da população brasileira, na qual infelizmente a leitura ainda é tida, em grande parte, como obrigação, e não diversão e entretenimento.

Rubens Borba, em seu delicioso Bibliófilo Aprendiz, já não citava parte da conversa entre um poeta e um banqueiro? O banqueiro perguntou ao poeta para que serviam suas poesias, no que o poeta, encarando o banqueiro, respondeu: Para o senhor, nada.

Como podemos esperar que o público em geral se sensibilize com um livro primoroso, não só com o conteúdo dele, mas como ele é apresentado - desde a diagramação, a escolha da fonte, as ilustrações, a encadernação, o estilo de ferros utilizado pelo dourador - quando a maior parte das crianças não tem acesso ao livro em sua casa, quando a leitura, quando o ato de pegar um livro na estante da sala, é inexistente em seu lar?

Arricando-me a cair na mesmice, cito o que já foi dito milhares de vezes: o Brasil é um país de contrastes. De um lado, uma elite que disputa primeiras edições a peso de ouro em leilões nacionais e internacionais, do outro, pessoas que não têm qualquer sensibilidade em ter um livro entre as mãos. São opostos devastadores, mas algo entre elas é comum. A pessoa que não liga para uma primeira edição ou para um autógrafo, se tivesse algo raro em sua casa, não saberia a diferença, pois não abriria o livro para ler. Alguns colecionadores também não abrem seus livros arrematados para lerem, eles os têm como objeto, como fetiche, como paixão, não pelo prazer da leitura.

Enfim, em um país como o nosso, onde aproximadamente 36 milhões de pessoas vivem abaixo de linha da miséria, ou seja, ganham 1/4 de salário mínimo, somados aos 30 milhões que estão na linha de pobreza, onde se ganha 1/2 salário mínimo por pessoa, temos mais de um terço da população brasileira preocupado em ter o que comer. Como ensinar sobre a magia da leitura, do livro, das edições primorosas para um povo que tem necessidades mais urgentes para sua própria sobrevivência?

Um comentário:

Pedro Dal Bó disse...

O gosto pela leitura é algo que falta para muitos.

Eu sinto falta quando passo mais de um mês sem ler algo novo. E atualmente por problemas acadêmicos estou a 4 sem ler uma obra nova.

Espero que com meus filhos eu seja capaz de fazer o que minha mãe fez comigo. Me dar a liberdade da escolha, mas sempre me trilhando pelo caminho da leitura, não importa o que seja. Por que nu momento você passará a filtrar sua leitura.

Abraços.
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