sexta-feira, 20 de junho de 2008

Defesa do Bibliopata

Já há algum tempo achei na internet um texto falando sobre a figura do bibliopata, o doente por livros, ia falar sobre o assunto, mas acho que as palavras de autor refletem o meu pensamento:
"Defesa do Bibliopata

O bibliófilo é alguém que bebe sem sede, faz incursões no mundo do livro antigo como o faria com um pecado pequeno: para provar, de passagem, olhando ao redor para ver se alguém o nota e para que alguém o note... quem sabe seja por isso porque quase sempre vai em bando e faz seus comentários eruditos em um tom de voz suspeitosamente alto. Não está disposto a pagar nem uma décima parte do que um livro realmente vale e regateia com uma cara de asco que não engana a ninguém. Como um Don Juan medíocre, só está predisposto a provar os méis mais insípidos e mais fáceis, com a condição de que nele não vai encontrar o mais mínimo sofrimento, nem a mais pequena dificuldade.

Esta intuição se converteu para mim em uma revelação incontrovertível no dia que, não faz muito tempo, recebi por correio uma soberba edição fac-símile de três publicações surgidas no século XVIII sobre o velho problema da quadratura do círculo. Nem uma nota, nem uma carta pessoal de quem o enviava e por quê. Tão só uma justificativa da tiragem (77 exemplares nominais e numerados segundo duas listas confeccionadas pelos editores e uma terceira lista - privada - dos que nunca receberão este exemplar. Uns tantos exemplares mais correspondentes às letras do alfabeto prevendo cataclismos e contrições) e um colofon enigmático e mudo que só incluía um nome "O Bibliopata" e o âmbito da realidade que haviam decidido ocupar uma "Editora anônima de livros raros, marginalizados, curiosos e psicalípticos". Uma chamada telefônica dias mais tarde, na qual meu interlocutor não se identificou, pretendia, tão só, confirmar que, efetivamente, o havia recebido.

Havia encontrado o Nome (as coisas, repito, não existem até que se as nomeie) e graças a ele havia entendido tudo. Phatos: doença, mas também paixão. Ação de sofrer tormentos, penas e outras coisas sensíveis e até a morte. Inclinação desordenada e exclusiva de nossa sensibilidade para um objeto que nos afeta e, de certo modo, subjuga. O caráter emocional do sentimento e da sensação serve para que o indivíduo participe e colabore na relação com os demais seres para a obra comum, apropriando-se essas relações e contribuindo para a ordem universal mediante a lei da atração no mundo natural e a do amor...

Havia entendido, como na vez em que estive com a primeira mulher e soube por que os homens tinham medo da morte. O amor pelos livros é uma paixão forte, reconcentrada e excludente, capaz de produzir o prazer mais intenso e a mais intensa dor (se você quer saber o que é a dor, repito, está no lugar adequado). Um alcalóide venenoso capaz de fazer empalidecer as drogas mais fortes e as mais belas damas. A vida muda e só resta jogar o Jogo.

Jogar o Jogo, o Jogo multiforme e letal: as buscas obstinadas e perseverantes, as incessantes compras e aquisições, as pesquisas constantes e incansáveis. O estar perpetuamente insatisfeito, pois o momentâneo desfrute de uma nova aquisição por muito tempo anelada acompanha o desejo irreprimível e voraz (como um Prometeu ao qual se devora eternamente um fígado que, eternamente, cresce) de começar a jogar o Jogo de novo.

O jogo é multiforme (já o disse) e pode ser a sede insaciável de colecionar o mesmo livro ou buscar o livro impossível ou inexistente, de entesourar os frutos de um mesmo editor ou todos os livros em trinta e dois avos, ou os "por abrir", ou encadernados em velino, ou os que falam do Santo Graal.

Bem-vindo ao Jogo, por que vai arrepender-se logo..."

Autor: Eduardo Connolly de Pernas
Texto traduzido e adptado conforme versão espanhola encontrada no site: www.bibliofilia.com/Html/curso/bibliopata.htm

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