segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Livros e sentimentos


Livros... a primeira vez que lembro ter me apaixonado por um, tinha 6 anos... eu, não o livro... tratava sobre cavalos... o livro, não eu. Fora presente da vó Amália, mãe de meu pai, que foi embora muito cedo deste nosso mundo e que deixou um gosto estranho de saudades, algo que ficou a ser vivenciado, incompleto. Gostei mais do livro do que da piscina Regan, cuja armação de alumínio eu e meu primo Adriano, companheiro de peraltices, resolvemos montar no meio da sala de estar... enquanto rolava a festa... Santinhos, não?

Depois lembro-me de outro livro que ficou guardado na memória afetiva até hoje. É um quadro. Nele, um gato amarelo nos olha com uma expressão muito séria, concentrado, deitado em cima de um livro, onde se entende, pelas letras pintadas, tratar-se de um livro de filosofia. O nome do quadro? Óbvio: "Gato filosofando". Encontra-se até hoje na sala de estar da casa que pertenceu à tia de minha avó, a Tia Estela. Nunca entendi por que "Tia Estela" quando o nome dela, o mesmo da Galeria existente até hoje no topo do Pico do Jaraguá, era Narciza Manzo. O quadro foi pintado pelo marido da Tia Estela, o Tio Henrique (o pintor Henrique Manzo), numa tentativa de se descupar por ter vendido uma outra obra de sua autoria de que a Tia Estela gostava muito. Como a tia gostava bastante de gatos, o tio resolveu fazer uma surpresa para ela, pintando esse quadro e dando para ela de presente. Não vou me esquecer nunca do olhar inteligente daquele gato sobre o livro de filosofia e da tia, com gosto, contando como o ganhou.

Outro livro que me marcou, na juventude, foi um que ganhei dessa mesma Tia Estela. É a "História de São Paulo", escrita pelo Rocha Ponbo e editada pela Melhoramentos na década de 20. O livro, comercialmente, não tem nada de especial, porém é muito caro sentimentalmente. O Tio Henrique foi um pintor de renome, mas, como sempre preferiu o academismo, não brilhou tanto na posteridade como os modernistas. Em 1933 ele pintou um quadro que enviou, junto com outros, para o I Salão Paulista de Belas Artes de São Paulo, realizado em janeiro de 1934; ganhou com ele a medalha de bronze do Salão. Faziam parte do juri artistas plásticos importantes como Victor Brecheret e José Wasth Rodrigues. Esse quadro chama-se "Café Matinal" e mostra a minha avó (literalmente o quadro é da época da "vó menininha"), com aproximadamente 12 anos, sentada no ateliê do Tio Henrique, na Móoca, diante de um prato de mingau. Em um dos cantos, compondo a cena, algumas telas de pintura encostadas na parede, um vaso com flores e um livro "História de São Paulo" do Rocha Pombo, sobre o qual repousava um pedaço de pão. Hoje aquele livro, daquele quadro onde aparece minha avó mocinha, está na minha biblioteca, ao lado do Catálogo do I Salão Paulista de Belas Artes, onde há a foto do quadro premiado.

Por essas e por outras sempre entendo, e respeito, os clientes que me chamam para comprar seus livros e que evitam mostrar alguns, pois não querem vender, e às vezes, se quisessem, não teriam valor comercial algum. Eles sabem, assim como eu, que o valor sentimental de algumas obras, que carregam tantas lembranças, não tem dinheiro no mundo que pague.

Um comentário:

Pedro Dal Bó disse...

Realmente existem livros que não tem preço...

Penso assim para a coleçõa "Os Karas" de Pedro Bandeira.

Os livros em si não tem nada de mais, mas foram com eles que adquiri o gosto pela leitura aos 8 anos. A partir de então segui comprando e pedindo livros de presente.

Nem penso em me desfazer deles e sempre indico para fazer as crianças gostarem da leitura.