domingo, 20 de abril de 2008

Adeus, Velhinho

Perdi o meu avô paterno, o Vô Mário, quando era criança, e dele lembro pouco, mas foi quem me ensinou a assobiar. Já o meu avô materno, convivi durante longos anos e guardo inúmeras boas lembranças. Como primeiro neto tive regalias que meus primos não chegaram a ter: bicicleta nova no Natal, grandes ovos de Páscoa e até mimos como, se o pneu da bicicleta furasse no domingo, ele perguntava se não queria ir até a oficina consertá-lo. O Vô Augusto tinha uma oficina mecânica e uma borracharia no bairro do Paraíso, atrás da antiga Sears, onde hoje é o Shopping Paulista. Ele me ensinou a desmontar pneu, jogar damas e até hoje é, para mim, exemplo de homem de caráter. Morreu de um ataque fulminante do coração subindo uma rua próxima do Parque da Aclimação, em São Paulo, em uma manhã fria do começo do inverno, em meados dos anos 90. Esta semana perdi o terceiro avô, o Vô Athos, na realidade avô materno de minha esposa, mas impossível chamá-lo de qualquer outra coisa. Ele era o avô na acepção geral da palavra; seu nome poderia estar ao lado da definição de avô, como sinônimo, nos dicionários. Não havia absolutamente nada que ele não fizesse pelos netos, desde que fosse no período da manhã: de tarde ele gostava de descansar e ver a televisão dele. Preguiçoso? Nunca! O dia dele começava por volta das quatro ou cinco horas da manhã. Fazia café, começava a preparar o almoço, ia para a antiga garagem transformada em oficina consertar ou criar algo, ia mexer no jardim, tirar mato, plantar flores, tirar mudas dos “sapatinhos de senhora”, uma orquídea com a qual ele adorava presentear as pessoas, dar uma olhada nos antúrios, uma de suas flores preferidas, e na sua roseira, além de, vez ou outra, podar a pitangueira. Ele simplesmente não parava, e assim o apelidei de “velhinho hiperativo”. Durante o tempo que eu e minha esposa moramos com ele, foi um verdadeiro incentivador da livraria. Ele não entendia bem como eu poderia trabalhar trancado no escritório boa parte do tempo mexendo no computador e falando muito no telefone. Apesar de eu tentar explicar sobre a internet, como os contatos eram feitos e tudo o mais, ele não tinha muita paciência para isso. Era do tempo em que as idéias se materializavam solidamente, como a casa que construiu, o laboratório que teve, a família que formou. Firmas pontocom para ele eram algo meio nebuloso. Lembro de quando comprei parte de uma biblioteca e, assim que soltei o catálogo, vendi mais da metade dos livros para um cliente em São Paulo. Esse cliente pediu que, ao invés das obras serem remetidas pelo correio, fossem entregues pessoalmente. Quando comentei o fato, o vô Athos já perguntou: “E quando que nós vamos?”. Ele era assim, sempre pronto para ajudar e sempre incentivando todos, não importava se ele não entendia bem sobre novos modos de fazer negócios, sobre tecnologia e afins, mas se pudesse fazer algo para ajudar, para incentivar, para apoiar, podia contar que ele o faria. Ele nos deixou na sexta-feira, 18 de abril, aos 85 anos, como sempre disse que queria, sem sofrimento, em paz. Espero que onde ele esteja haja muitas plantas para cuidar e uma grande oficina para mantê-lo ocupado, pois caso contrário os anjos terão que ouvir um estoque inesgotável de piadas, muitas delas pouco ou nada cristãs, e terão muito, mas muito trabalho mesmo para mantê-lo quieto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sabe, perdi minha vó a menos de um mês... Ao contrário de suas palavras, eu não tive tanto contato com ela, apenas mantinha um carinho imenso pelas histórias doces que minha mãe me contava dela, a conheci quando tinha 10 anos e mantive um contato com ela apenas de 4 dias, ou menos não me recordo, mas foram suficientes para saber que as histórias de minha mãe eram verdadeiras. Acho que pessoas assim, que nescaem para serem avós, ficam sempre guaradadas em nossos corações, sendo netos ou filho, o carinho é infinito... Bonitas palavras... meu sentimentos com toda familia...