quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Uma Festa Brasileira comentada pelo jornalista Marcelo Coelho

Diretamente do site da TV Cultura de São Paulo, resenha escrita pelo jornalista Marcelo Coelho para o programa Entre Linhas:

09/12/2007
Uma festa brasileira
por Marcelo Coelho
Sociólogo, escritor e articulista


Os portugueses chamam esta cidade de Ruão, mas fica um pouco esquisito... Será melhor dizer, como os franceses, Rouen? Pouco importa. A principal cidade da Normandia está repleta de referências literárias.

Foi aqui que num famoso passeio de carruagem, com as janelas fechadas, Madame Bovary traiu o seu marido.

Em Rouen, em 1711, nasceu a autora de um conto de fadas que todo mundo conhece: “A Bela e a Fera”. Era uma babá, chamada mme de Beaumont.

Foi também nessa cidade, em 1562, que o pensador Michel de Montaigne conheceu três índios brasileiros. Foi da conversa com eles que nasceu um de seus mais importantes ensaios, “Sobre os Canibais”. Numa época em que ainda se discutia se os índios eram mesmo seres humanos, Montaigne indagava se os europeus podiam se considerar superiores aos canibais brasileiros. “Eles matam seus inimigos em combate, e depois os cozinham. Nós os cozinhamos vivos”, observa Montaigne, referindo-se aos hereges condenados a morrer na fogueira.

Mas os índios brasileiros já eram vistos em Ruão há um bom tempo. Saiu agora em português “Uma festa brasileira” livro do pesquisador Ferdinand Denis, escrito em 1850. Denis recupera a história de uma grande cerimônia realizada em Ruão, em 1550, em homenagem ao rei Henrique II, que visitava a cidade com sua esposa, Catarina de Médicis.

Às margens do Sena, recriou-se uma paisagem brasileira, com papagaios e sagüis. Foi uma verdadeira superprodução, com trezentos figurantes, entre os quais cerca de cinqüenta índios de verdade. Fizeram-se réplicas de aldeias, os índios (e muitos marinheiros franceses mesmo) dançavam nus, fumavam, deitavam-se em redes e atiravam flechas, para encanto dos nobres ali presentes. Na apoteose final, encenou-se um combate entre tupinambás (aliados dos franceses) e tabajaras (aliados dos portugueses). Um verdadeiro carnaval.

A edição de “Uma Festa Brasileira” é muito bem cuidada, com texto bilíngüe, trazendo notas eruditas e apêndices curiosos, e também a reprodução de uma gravura de época. Denis transcreve, além disso, um texto raríssimo, publicado em 1551, que foi o relato oficial dos detalhes da festa.

Era uma época de globalização. Os franceses não ficaram conhecendo apenas os canibais brasileiros. Graças a Catarina de Médicis, mulher de Henrique II nascida em Florença, eles tomaram conhecimento de um importante utensílio gastronômico: o garfo, até então ignorado naquelas regiões tão selvagens da Europa.

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Marcelo Coelho

Nascido em 1959, na cidade de São Paulo. Formado em Ciências Sociais pela FFCLH-USP, mestre em Sociologia com tese sobre a construção de Brasília e o governo Kubitschek. É articulista da Folha de S. Paulo desde 1984. Publicou, entre outros, “Gosto se discute” (Ed. Ática, 1994), “Jantando com Melvin” (Ed.Imago, 1998), e “Folha Explica Montaigne” (Publifolha, 2002). Seu mais recente livro é “Crítica Cultural: Teoria e Prática” (Publifolha, 2006).

Link da matéria:
http://www.tvcultura.com.br/entrelinhas/colaboradores.asp?colabresenhaid=40

2 comentários:

Anônimo disse...

Oieee ta muito legal seu blog hem .. tem bastante coisas interssantes .. continue assim ... se puder da uma passadinha no meu ... ficarei grata com seu comentario ...
olink é : http://mundosemfronteiras.zip.net
Obrigada e um otimo fim de semana!
beijus

Casti disse...

Paulo, passei para desejar um bom 2008 e que o seu Bazar continue nos trazendo esta mescla de novidades e curiosidades de prateleira!

Abração,
Casti