Se vocês acham que a tecnologia é importante hoje, imaginem quando a vida e a morte de uma civilização dependiam de avanços que hoje, em nosso dia-a-dia, consideramos banais. Como imaginar a vida antes de se dominar a técnica de forjar o ferro comparada com a espectativa gerada pelo lançamento do mais novo modelo de iPhone?
Com o domínio da arte de fundir o ferro, os Celtas, povo vindo do oriente, dominaram grande parte da Europa Ocidental. Da Espanha à Ásia Menor, das Ilhas Britânicas à planície do Rio Pó, na Itália, essa civilização botou de joelhos os povos que ainda se defendiam com armas feitas de bronze.
Apesar da gigantesca área controlada por essa nação, eles nunca constituíram um império. Durante todo o tempo de sua dominação, o que uniu os celtas foi a arte, a religião e a língua.
Para conhecermos um povo, nada melhor que entrar de cabeça em seu imaginário por meio de suas lendas e mitos. A editora Martins Fontes lançou em março a obra Contos e Lendas da Mitologia Celta, de Christian Léourier, com ilustrações de Maurício Negro.
O escritor, nascido em Paris em 1948, é autor de diversas obras infanto-juvenis e adultas. Seu interesse pelas obras de ficção científica inglesa levou-o, devido às inúmeras referências às lendas celtas, a pesquisar sobre os mitos dessa antiga civilização e, de acordo com o próprio autor, "a cair no caldeirão de Keridwen".
Contos e lendas da Mitologia Celta não tem a função de ser um estudo técnico, sendo muito agradável de ler até mesmo por quem não tem qualquer familiaridade com o universo celta.
Ao todo, a obra apresenta ao leitor dezesseis contos, mais o prefácio escrito pelo autor, que dá uma real dimensão do que era a cultura celta e a força dessa tradição oral que, séculos depois, ainda vem influenciar desde o mundo de Tolkien, em O Senhor dos Anéis, até a arquitetura de Frank Lloyd Wright, como a Fallingwater, ou Casa da Cascata, em que a maneira celta está presente desde a fixação do elemento fogo no centro da habitação até o imenso caldeirão vermelho, encostado como uma escultura na parede e que pode ser levado ao fogo da lareira, como uma visão artística do caldeirão de Keridwen.
A seleção é muito caprichosa, contendo algumas das mais famosas narrativas e lendas dessa civilização. A descontração do autor com a coletânea chega ao ponto de ele não se preocupar em indicar de qual fonte (irlandesa ou galesa) vem as histórias narradas. Porém é muito cuidadoso na escolha, buscando sempre o conto "puro", ou o mais próximo do primordial, sendo descartados aqueles em que não se consegue distinguir a origem celta. O autor só abre uma exceção no seu purismo ao incluir Taliesin, o Príncipe dos Bardos, um conto do período de decadência da civilização celta, mas uma escolha bastante feliz por nos permitir vislumbrar algo a respeito do druidismo.
Os mais atentos perceberão que alguns ecos das antigas lendas celtas reverberam no ciclo arturiano e, mais modernamente, em Tolkien. Um exemplo disso pode ser observado no conto A Ilha das Mulheres, onde Bran, um herói galês, ao navegar para o oeste, chega à Ilha das Macieiras, uma terra paradisíaca habitada por mulheres bonitas e mágicas. Essas mulheres maravilhosas vão aparecer posteriormente no ciclo arturiano como as fadas que habitam Avalon, cujo nome em galês é Ynys Avalloch, que significa Ilha das Macieiras. E no universo de Tolkien a terra dos elfos fica no oeste, onde eles seriam imortais. Essa característica mítica aparece também nesse conto. Outra lenda que virá, séculos depois, a fazer parte do cíclo arturiano é a de Diarmaid e Grainne, que deu origem à história de Tristão e Isolda.
Alguns nomes próprios são mantidos na grafia francesa, que o autor deve ter preferido, o que chega a incomodar um pouco quem conhece a fundo algumas das lendas, pois torna alguns dos personagens irreconhecíveis.
Quanto às ilustrações, daria para fazer uma crítica a parte, mas seria muito aborrecida, pois só haveria elogios ao ilustrador Maurício Negro. Apesar de as ilustrações serem monocromáticas (quem já editou algo sabe o quanto sai cara uma edição com ilustrações coloridas), isso não compromete em nada sua qualidade. As obras publicadas pela Martins Fontes primam tanto pela apresentação e agradabilidade de leitura dentro de um projeto gráfico cuidado quanto na excelência da tradução e da apresentação da obra dentro das novas regras ortográficas.
Certamente essa é uma boa indicação de leitura para quem tem imaginação e gostaria de ser transportado através das histórias para um mundo mais delicado, mais equilibrado, um mundo que vai além das aparências imediatas, um mundo em que, segundo o autor, os homems podiam falar diretamente com os deuses, de igual para igual, e até mesmo vencê-los em uma batalha - sem a ajuda de um joystick.
Contos e Lendas da Mitologia Celta
Idioma: Portugues
Dimensões: 14x18x0
Autor: Christian Leourier
Editora: Martins Fontes
Ano: 2009
Páginas: 218
Com o domínio da arte de fundir o ferro, os Celtas, povo vindo do oriente, dominaram grande parte da Europa Ocidental. Da Espanha à Ásia Menor, das Ilhas Britânicas à planície do Rio Pó, na Itália, essa civilização botou de joelhos os povos que ainda se defendiam com armas feitas de bronze.
Apesar da gigantesca área controlada por essa nação, eles nunca constituíram um império. Durante todo o tempo de sua dominação, o que uniu os celtas foi a arte, a religião e a língua.
Para conhecermos um povo, nada melhor que entrar de cabeça em seu imaginário por meio de suas lendas e mitos. A editora Martins Fontes lançou em março a obra Contos e Lendas da Mitologia Celta, de Christian Léourier, com ilustrações de Maurício Negro.
O escritor, nascido em Paris em 1948, é autor de diversas obras infanto-juvenis e adultas. Seu interesse pelas obras de ficção científica inglesa levou-o, devido às inúmeras referências às lendas celtas, a pesquisar sobre os mitos dessa antiga civilização e, de acordo com o próprio autor, "a cair no caldeirão de Keridwen".
Contos e lendas da Mitologia Celta não tem a função de ser um estudo técnico, sendo muito agradável de ler até mesmo por quem não tem qualquer familiaridade com o universo celta.
Ao todo, a obra apresenta ao leitor dezesseis contos, mais o prefácio escrito pelo autor, que dá uma real dimensão do que era a cultura celta e a força dessa tradição oral que, séculos depois, ainda vem influenciar desde o mundo de Tolkien, em O Senhor dos Anéis, até a arquitetura de Frank Lloyd Wright, como a Fallingwater, ou Casa da Cascata, em que a maneira celta está presente desde a fixação do elemento fogo no centro da habitação até o imenso caldeirão vermelho, encostado como uma escultura na parede e que pode ser levado ao fogo da lareira, como uma visão artística do caldeirão de Keridwen.
A seleção é muito caprichosa, contendo algumas das mais famosas narrativas e lendas dessa civilização. A descontração do autor com a coletânea chega ao ponto de ele não se preocupar em indicar de qual fonte (irlandesa ou galesa) vem as histórias narradas. Porém é muito cuidadoso na escolha, buscando sempre o conto "puro", ou o mais próximo do primordial, sendo descartados aqueles em que não se consegue distinguir a origem celta. O autor só abre uma exceção no seu purismo ao incluir Taliesin, o Príncipe dos Bardos, um conto do período de decadência da civilização celta, mas uma escolha bastante feliz por nos permitir vislumbrar algo a respeito do druidismo.
Os mais atentos perceberão que alguns ecos das antigas lendas celtas reverberam no ciclo arturiano e, mais modernamente, em Tolkien. Um exemplo disso pode ser observado no conto A Ilha das Mulheres, onde Bran, um herói galês, ao navegar para o oeste, chega à Ilha das Macieiras, uma terra paradisíaca habitada por mulheres bonitas e mágicas. Essas mulheres maravilhosas vão aparecer posteriormente no ciclo arturiano como as fadas que habitam Avalon, cujo nome em galês é Ynys Avalloch, que significa Ilha das Macieiras. E no universo de Tolkien a terra dos elfos fica no oeste, onde eles seriam imortais. Essa característica mítica aparece também nesse conto. Outra lenda que virá, séculos depois, a fazer parte do cíclo arturiano é a de Diarmaid e Grainne, que deu origem à história de Tristão e Isolda.
Alguns nomes próprios são mantidos na grafia francesa, que o autor deve ter preferido, o que chega a incomodar um pouco quem conhece a fundo algumas das lendas, pois torna alguns dos personagens irreconhecíveis.
Quanto às ilustrações, daria para fazer uma crítica a parte, mas seria muito aborrecida, pois só haveria elogios ao ilustrador Maurício Negro. Apesar de as ilustrações serem monocromáticas (quem já editou algo sabe o quanto sai cara uma edição com ilustrações coloridas), isso não compromete em nada sua qualidade. As obras publicadas pela Martins Fontes primam tanto pela apresentação e agradabilidade de leitura dentro de um projeto gráfico cuidado quanto na excelência da tradução e da apresentação da obra dentro das novas regras ortográficas.
Certamente essa é uma boa indicação de leitura para quem tem imaginação e gostaria de ser transportado através das histórias para um mundo mais delicado, mais equilibrado, um mundo que vai além das aparências imediatas, um mundo em que, segundo o autor, os homems podiam falar diretamente com os deuses, de igual para igual, e até mesmo vencê-los em uma batalha - sem a ajuda de um joystick.
Contos e Lendas da Mitologia Celta
Idioma: Portugues
Dimensões: 14x18x0
Autor: Christian Leourier
Editora: Martins Fontes
Ano: 2009
Páginas: 218
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